quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Santa Catarina, março de 1838

O relato a seguir consta da "Memória Histórica da Província de Santa Catarina", escrita em 1856 pelo Major Manoel Joaquim de Almeida Coelho (1792–1871) e reeditada pelo IHGSC em 2005: "No ano de 1838, nos dias 9, 10 e 11 de março foi a Ilha e toda a costa da Província acometida de um temporal de chuva e vento da parte de leste tão rijo, que abriu enormes rasgões pelos morros, quase toda a lavoura ficou rasa; todas quantas pontes haviam desaparecido; na capital rebentaram olhos d'água mesmo em terrenos muito elevados, algumas casas foram arrasadas e conduzidas ao mar pela força das águas; na Freguesia de Nossa Senhora das Necessidades, mais conhecida por Santo Antônio, desapareceu a casa, aliás bem construída, do tenente Joaquim José da Silva , e conjuntamente com ele ficou sepultada toda a sua família composta de onze pessoas; na Várzea do Ratones outra casa com a família de João Homem teve a mesma sorte; em outros lugares da província consta que houveram outras vítimas. O mar tornou-se, em grande distância da terra, vermelho de muito barro que recebeu; e mal se viu boiar em algumas partes animais, ou a fortuna de muitos lavradores. Muitas famílias ficaram reduzidas a penúria e miséria. Embarcação houve no porto da cidade, que virou a quilha por cima. No último dia, porém, permitiu a Suprema Providência que começasse a acalmar o temporal, e só assim porque a continuar por mais 48 horas, de certo apareceriam depois sobre a costa, especialmente da capital, só montões ou ruínas, e tal qual edifício. Mal se pode calcular o prejuízo da Província, e menos julgar o valor das terras que se tornaram inúteis. Por Decreto da Assembléia Legislativa da Província n. 89 de 7 de abril desse ano foi a Câmara Municipal da capital favorecida com um suprimento para remediar os estragos mais sensíveis; e o digno deputado à Assembléia Geral Jerônimo Francisco Coelho pode ali obter que o Governo Imperial mandasse repartir pelos habitantes, a quem o temporal reduzira a penúria, 40 contos de réis; infelizmente, porém, é sabido que só vieram 20 contos, e que estes mesmo tiveram outra aplicação, muito distinta daquela que foram destinados." (colaboração da Edla K.) ▼ Em resumo: 170 anos depois, continua chovendo pra cacete... Mas o principal é constatar que pessoas já se ajudavam umas às outras e, olho vivo!! naquela época na mão-grande os recursos já sumiam...

2 comentários:

Ernesto São Thiago disse...

Fico feliz que o texto de Manoel Joaquim de Almeida Coelho, que fiz circular em 02.12, enviando-o a diversos formadores de opinião tenha ganho a internet em geral, inclusive o hotsite da RBS sobre as enchentes: “SOS Santa Catarina”.

Eu havia comprado o livro no IHGSC poucos dias antes para pesquisar um fato histórico relacionado à Guerra dos Artigas: a prisão de Andrezito Artigas no RS, em 1819, por meu pentavô, o manezinho nascido em Desterro em 1794, Joaquim Antônio São Thiago, registrada pelo autor quando no livro trata da memória histórica do Regimento Barriga-Verde, que meu pentavô integrava à época como sargento.

Quando deparei-me com o relato do temporal de 1838 não tive dúvidas em digitá-lo e encaminhá-lo por e-mail. A primeira pessoa a receber minha mensagem foi o jornalista Moacir Pereira, mas acredito que quem a fez circular foi o jornalista Mário Motta. Um jornal de Biguaçu também publicou o texto, encaminhado pela ACATMAR, entidade para a qual eu também o havia enviado na qualidade de associado.

Enfim, o importante é o texto circular, especialmente pelo que trata em seu final…

REINALDO HAAS disse...

Sou professor de Climatologia e Meteorologia da UFSC e desde 1995 tenho tentado entender o que são as Lestadas. Quem me apresentou este texto foi o Prof. Esperidião Amim. Após muitos estudos e simulações, confesso que só recentemente entendi o que ocorreu na Ilha. Foi uma microexplosão úmida orográfica. O efeito é produzido por granizo que gera tornados ou trombas de água próximos às montanhas. São verdadeiros rios verticais de água. Isso é o mesmo que ocorreu no carnaval de 2023 no morro do Sahy, no litoral de São Paulo. Em 1995, em Jacinto Machado-SC, ocorreu outro evento que gerou uma enchente com cabeça de 5 metros de altura. Recentemente, eles têm se tornado muito comuns em Santa Catarina. Como temos dados de satélite desde 1984, pude perceber que nos últimos dois anos ocorreu um aumento de quase mil vezes nas regiões com essas marcas.

Isso está ficando perigoso, pois esses eventos têm o potencial de apagar cidades inteiras do mapa e parece que isso era comum entre 1300 e 1850, quando tivemos a chamada "Pequena Era do Gelo" ao longo do litoral do Oceano Atlântico.

O importante é que esses eventos deixam seus rastros nos morros. Há uma pintura, de autor desconhecido, de 1840 que mostra Santo Antônio e a Ilha totalmente sem vegetação. Porém, acredito que o episódio de 1838 não tenha sido o pior da história. Em 1785, em São Francisco, foi relatada uma Lestada com muito granizo que matou toda a sorte de animais por lá e permaneceu concentrada por semanas. Há muitos outros relatos semelhantes. Como eles têm em comum serem próximos à elevação orográfica, acredito que possa ser o motivo climático que fez com que a ilha fosse ocupada de 1530 a 1780, como citado por Augusto de Saint-Hilaire. Esse motivo fez com que Portugal destinasse a ilha a bandidos e outros degredados. Possivelmente, esse fato deu origem à denominação de Desterro.

Desde 1950, como consequência do aquecimento global, a estratosfera caiu 1 a 2 graus Celsius por década. Isso é como um cobertor de pobre, se o calor é retido nos níveis mais baixos, falta nos níveis mais altos. Mas, desde 2020, houve uma queda adicional de 2 graus Celsius, o que indica que isso deve estar acelerando. O resultado é pior do que no passado e devemos nos preparar. Desde muito sabemos como lidar com granizo e isso deveria ser testado, além de que as cidades próximas de rios devem estar preparadas para enchentes nunca vistas antes. Será que vai repetir a sina dos políticos do século 19?