terça-feira, 1 de março de 2011

As oito lições da falência da Borders

Por Michel Hannas em Table Letters (25.fev.11)

“O mundo não é dos mais fortes. Também não é nem dos mais fracos, nem do mais inteligente. É de quem se adapta mais rápido.”

A Borders era a segunda maior cadeia de livrarias dos EUA. Sofrendo há algum tempo com o impacto da evolução tecnológica, primeiro do e-commerce e, mais recentemente, com o advento da comercialização em massa de e-books, a empresa teve que pedir proteção à corte de falências nos EUA. Entrou, como os americanos dizem, em Chapter 11.

Por quê eu deveria me interessar em ler sobre a falência da Borders? Já aconteceu com várias empresas. Esse é apenas mais um caso de uma empresa que, mesmo vendo o mundo mudar (e rápido) não conseguiu se adaptar. Não adianta culpar a tecnologia, a internet, os e-books ou a crise financeira. A responsabilidade pela falência de uma empresa é de seus controladores. Não deixe a sua empresa ter o mesmo destino.

Lembram do filme em que Tom Hanks, dono de uma grande cadeia de desconto de livros, leva a pequena livraria de bairro da Meg Ryan, com o sugestivo nome de “Shop Around the Corner” (1) a fechar as portas? A falência da Borders me deixa um gosto amargo, parecido com todos os que ficaram sentindo pela Meg Ryan frente ao capitalista impiedoso dono da grande cadeia de lojas. Eu adorava comprar livros e tomar um expresso na Borders. Era um dos meus lugares prediletos na Filadélfia, quando estava estudando.

Histórico - A Borders foi criada por dois irmãos em 1971 em Ann Arbor, perto da Universidade de Michigan, uma das principais dos EUA. Após 20 anos de sucesso, em grande parte apoiado por um sistema computadorizado de ajuste dos estoques às preferências dos consumidores de cada ponto de venda, houve uma série de movimentos estratégicos que a levaram à falência.

Em 1991, os irmãos Louis e Tom Borders venderam a empresa para o Kmart. Em 1995, após não conseguir integrar a Borders com a cadeia de WaldenBooks que controlava, o Kmart fez o spin-off (2) da Borders. Enquanto Barnes and Noble se expandia e a Amazon estava sendo criada, a Borders se distraiu com problemas internos e nunca mais conseguiu acompanhar a concorrência de substitutos (Amazon), discount stores (Wal*Mart, Cosco) e players tradicionais (em 2000, a Barnes and Noble tinha 16% do mercado de venda de livros dos EUA, enquanto a Borders tinha 14%; em 2010, a Barnes and Noble ficou com 17%, e, a Borders, 8%).

Só para ilustrar o que estava acontecendo, em 2009, enquanto a receita da Amazon nos EUA cresceu 11% com a venda de livros, CDs e DVDs, a das lojas físicas da Barnes and Noble caiu 5%, a da Borders (e WaldenBooks) caiu 15%. Contudo, Barnes and Noble investia no leitor digital Nook (3) e seu braço on-line BN.com teve aumento de receita de 24% no mesmo ano.

No e-commerce as conseqüências das decisões estratégicas foram desastrosas. Em 2001, a Borders contratou a Amazon (sim a Amazon), para realizar o fullfilment (4) de suas operações on line. A parceria terminou em 2008 e com ela a Borders perdeu 10 anos de tempo que poderia ter sido usado para criar as competências para competir num ambiente cada vez mais digital.

No final, sem uma estratégia para o mundo digital, perdendo market share e tendo resultados financeiros cada vez piores, a Borders teve 3 CEOs em 3 anos, e não conseguiu acordo com os credores para evitar o Chapter 11.

O Mundo Real - Em uma entrevista no dia 21 de fevereiro à Publishing Perspectives, Philip Downer, o ex-CEO da Borders no Reino Unido, analisa as principais razões do fracasso da Borders, mas coloca muito da responsabilidade na indústria e não na incapacidade da empresa em se reiventar ou de se ajustar à nova realidade.

Nos negócios, assim como na natureza, quem não acompanha a evolução, é extinto. O mundo não é dos mais fortes. Também não é nem dos mais fracos, nem do mais inteligente. É de quem se adapta mais rápido. A internet é novidade para você? Para mim já não é mais desde 1994… O e-commerce é novidade? E a Amazon? Ah, são os e-books!! Já existem há mais de dez anos e há três já se tornaram uma realidade. A Borders foi incapaz de se adaptar. A tecnologia continuou evoluindo, corroendo margens, reduzindo o tráfego nas lojas e comprometendo as margens do negócio principal. Portanto, a grande lição para os acionistas, os conselhos ou os donos de empresas é ficar sempre atento às tendências de sua indústria.

As Oito Lições - Como sugestão, fica a receita ortodoxa, mas sempre muito atual:

1 Nunca se descuide de sua estratégia. Defina claramente onde colocará seus recursos, o que será feito e o que não será feito em cada momento no tempo. É dever seu zelar por ela e garantir que seja sólida.

2 Sempre esteja atento às tendências da sua indústria e de outras que podem acabar te substituindo ou levando seus clientes. De cavalos para carros. Do cinema mudo para o falado. Do rádio para a TV. Do impresso para o digital. Quando a luz elétrica foi inventada, várias pessoas disseram que nunca a iam adotar porque adoravam ler à luz de velas.

3 Não assuma que, só porque foi bem sucedido, sempre o será. Quem se lembra de Mesbla, Arapuã, Banco Santos, Lehman Brothers, Arthur Andersen, Enron, Palm, Banco Panamericano, Revista Manchete, Jornal do Brasil, Encol? O mundo evolui, coisas (esperadas e inesperadas) acontecem. Esteja preparado para todos os cenários, não só os catastróficos, mas também os que podem levar à morte lenta.

4 Gerencie o fluxo de caixa. Cash is king.  Se o dinheiro acabar, a sua empresa acaba e vai para a mão dos credores.

5 Como num câncer, fique atento aos sintomas. Se você não tratar das causas cedo, ele te mata. Prejuízos seguidos, linhas de negócio não rentáveis, lojas não produtivas, produtos com margem bruta negativa, são sintomas.

6 Tenha um plano de execução operacional muito claro: maximize as margens dos negócios atuais, busque a eficiência sempre, desinvista rápido e sem paixões de negócios ou produtos não rentáveis, planeje o crescimento no tempo.

7 Ao cortar, tenha muito cuidado com os custos fixos. Ao se reduzir o volume de produção de produtos menos rentáveis, seus custos fixos não desaparecem na mesma proporção. Esteja atento.

8 Não fuja à sua responsabilidade. No final, a culpa pelo fracasso é sua. Não é de um terceiro. Não adianta culpar os outros. Não se pode culpar a Amazon (O culpado foi o Jeff Bezos!), a internet (eu sabia, a culpa foi do Tim Berners Lee!, ou a crise (11 de setembro, recebíveis hipervalorizados de hipotecas, o Lehman Brothers).

Assim como não é nem a internet nem o Twitter que estão fazendo os ditadores do Oriente Médio cairem. Foram eles próprios que criaram o cenário fértil para serem expulsos pelo próprio povo que dominaram

Evolução da Borders. Fonte: Thomson Reuters

Notas do almanaque

(1) O nome é uma referência de Nora Ephron, diretora da comédia romântica “Mens@gem para você” (“You've got mail”), com Tom Hanks e Meg Ryan, a “The shop around the corner” (“A loja da esquina”), filme americano de 1940, com James Stewart e Margaret Sullavan, dirigido por Ernst Lubitsch, com roteiro de Samson Raphaelson baseado numa peça húngara de 1937 chamada Parfumerie, de autoria de Miklós László: em Budapeste, um casal de funcionários de uma loja de presentes tem péssimo relacionamento. Mas ambos se correspondem por carta anonimamente e ignoram essa situação de correspondência e amor. No remake de 1998 a moça tem uma pequena livraria e a correspondência é por e-mail.

(2) Spin-off ou derivagem é um termo em inglês utilizado para descrever uma nova empresa que nasceu a partir de um grupo de pesquisa de uma empresa, universidade ou centro de pesquisa público ou privado, normalmente com o objetivo de explorar um novo produto ou serviço de alta tecnologia. É comum que estas se estabeleçam em incubadoras de empresas ou áreas de concentração de empresas de alta tecnologia. Spin-off também pode ser entendido como cisão de uma empresa - o oposto de uma fusão.

(3) Nook é um leitor de livros digitais, usado pela Barnes and Noble, a maior rede de livrarias dos Estados Unidos. A Amazon usa o Kindle, o líder do mercado de leitores.

(4) Fulfillment refere-se ao processo de atendimento ao cliente, sempre uma grande preocupação das empresas que, com o advento do comércio eletrônico, ganhou significativa importância, caracterizando mais um desafio para a logística.

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