sábado, 22 de novembro de 2008

Em tempo de decisão

Os times do Rio têm duas coisas em comum: seus hinos foram compostos por Lamartine Babo e os desenhos dos símbolos de suas torcidas foram criados pelo Henfil. O Urubu tornou-se mascote do Flamengo a partir do momento em que o professor de Educação Física, Luis Octávio, morador do Leme, decidiu pegar uma ave no lixão do Caju e levá-la para o Maracanã num domingo de clássico entre Flamengo e Botafogo, em 1969. Veja o depoimento do Luis Octávio:

"Eu era um alucinado pelo Flamengo. Eu era capaz de ir a um jogo mais cedo do Flamengo, fora do Maracanã, e depois seguia para o Maraca para 'secar' os outros (Vasco, Botafogo e Fluminense). Éramos um grupo de três a quatro torcedores. Os torcedores do Botafogo sacaneavam demais a torcida do Flamengo. Naquela época, Flamengo e Botafogo faziam o clássico de maior rivalidade depois da "era Garrincha". Os botafoguenses gritavam com ironia e rancor que o Flamengo era time de urubu, ou seja, time de negros... Um dia, reuni um grupo de amigos do Leme, onde sempre morei, e fui para a Favela da Praia do Pinto, em frente ao campo do Flamengo, achando que ali encontraria um urubu com facilidade. Mas não vi nenhum urubu e fui orientado para ir ao depósito de lixo do Caju. Eu e meus amigos fizemos isso. Mas fomos à noite e não encontramos urubu nenhum, claro. Então fomos orientados a voltar pela manhã porque nesse horário o depósito de lixo do Caju ficava lotado de urubus. Fizemos isso num sábado, 31.mai.69, véspera de Flamengo x Botafogo no Maracanã. Havia um montão de urubus pra gente escolher. Éramos quatro amigos rubro-negros. Estávamos numa DKW-Vemag e pegamos um urubu. Colocamos o bicho no carro e ele veio dando bicada na gente. Paramos na Avenida Brasil e arranjamos um saco para colocar o urubu dentro. O urubu soltou-se dentro do carro em movimento e foi uma guerra... Levamos o urubu para a garagem do meu prédio no Leme. O bicho não queria comer nada, só queria atacar a gente com bicadas. Meu pai ajudou e deu água pro urubu. No dia seguinte, domingo, 1º.jun.69, fomos para o Maracanã. Entramos com o urubu enrolado num bandeirão do Flamengo, pois naquela época ainda se podia entrar com bandeiras à vontade. Fomos para as arquibancadas e um foguete estourou perto do urubu, assustando o bicho, que começou a se debater. Pior é que o Flamengo não entrava em campo. O técnico era Elba de Pádua Lima, o 'Tim' que, por superstição, sempre esperava primeiro o Botafogo entrar em campo. O Flamengo não vencia o Botafogo havia quatro anos. Nenhum dos dois times queria entrar e então resolvemos soltar o urubu. Levamos o bicho até a grade das arquibancadas, tiramos o urubu do saco plástico, colocamos uma bandeirinha do Flamengo presa nos pés do bicho e soltamos. O urubu saiu da torcida do Flamengo e tomou o rumo da torcida do Botafogo. Ninguém entendia o que estava acontecendo. Só quando o urubu fez a volta e ficou com a bandeira de frente para a torcida do Flamengo é que a nossa 'galera' começou a vibrar e a gritar 'é urubu, é urubu'. Quando o urubu caiu no gramado, pouco antes de o jogo começar, foi uma tremenda festa. Os fotógrafos correram e fizeram fotos, um monte de fotos. E o Flamengo venceu por 2 a 1. Foi uma festa inesquecível e o urubu passou a ser o mascote do Flamengo no lugar do Popeye, um símbolo da Disney. O urubu é a cara do Flamengo e o Henfil se encarregou de humanizá-lo nas tirinhas de charge esportiva no Jornal dos Sports e na Revista Placar."

E meu amigo Jonny (JAFS), que mandou o texto acima, complementa: "Eu fui a este jogo!!! Eu estava lá no Maraca. Inesquecível!! Os gols do Flamengo foram do saudoso Doval e Arilson. O gol do Botafogo foi do Paulo Cesar Caju. O Flamengo fez 2x0 no primeiro tempo e a torcida do Mengão cantou, no intervalo do jogo, o samba da Mangueira. Escrevo isso com lágrimas nos olhos, pois a emoção foi demais naquele dia de 1969, quando, então, eu tinha onze anos. Aos cinco minutos de jogo, Jairzinho, num contra-ataque espetacular do Botafogo, chutou a bola por cima do goleiro Dominguez, que saiu em desespero para tentar fechar o ângulo do brilhante artilheiro. A bola bateu no travessão e foi para fora. Passado o susto, a partir daí só deu Flamengo. Fui ao jogo com as minhas três irmãs mais velhas e seus amigos. Todos próximos da charanga, apertados naquela massa, mas feliz".

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