A terapia de regressão dos franceses não passa apenas pelos filmes étnicos. Num papel muito parecido com o que fez em Pintar ou Fazer Amor (2005), Daniel Auteuil encarna novamente em Conversas com meu Jardineiro (Dialogue avec mon Jardinier) o homem cosmopolita em mal-estar com a civilização que se refugia no campo atrás de uma identidade perdida. Ele interpreta um pintor parisiense de meia-idade que está se separando da mulher e decide morar na casa campestre onde passou a infância. Lá, ao procurar um jardineiro para criar uma horta de legumes, acaba reencontrando um velho amigo do colégio (interpretado por Jean-Pierre Darroussin). Quando crianças, os dois eram inseparáveis. Adultos, foram para lados opostos. Logo de cara percebe-se que o estrato social os separa: o pintor já vinha de família abastada antes de mudar-se para Paris; o jardineiro cresceu para ser operário nas linhas férreas locais, ofício do qual agora se aposentou (como todo mundo que não teve a oportunidade de sair dali em direção à cidade grande). O primeiro conhece vinhos e arte, o segundo sabe tudo sobre foices e fofocas locais. Em nome dos bons tempos de criança, e também para amenizar o mundo de valores que os separa, os dois passam a se chamar apenas por apelidos: o pintor vira Dupincel e o jardineiro vira Dujardin. Se o início do filme do veterano diretor sexagenário Jean Becker sugere que a reconciliação dos dois durará somente até o conflito de identidades explodir, logo Conversas com meu Jardineiro descarta essa opção. Dupincel aprende a valorizar o universo de Dujardin e vice-versa. O foco principal está no primeiro, já que o roteiro do filme é baseado no livro de memórias do pintor Henri Cueco. Talvez por conta do material textual farto, as tais Conversas transformam o filme em um grande palavrório, no qual Becker raramente se aventura visualmente além do básico plano-contraplano. E ao sublimar o conflito em nome da conciliação, esse palavrório vai se tornando cada vez mais um relato de auto-ajuda. O "bom selvagem" Dujardin ensina o "corrompido" Dupincel a reaprender a vida não nas galerias de arte de Paris, mas na pureza da campagne - num elogio do primitivismo que, vale dizer, tem tudo a ver com o modo como a França lida (mal) hoje com os seus problemas da modernidade. (Marcelo Hessel)
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