terça-feira, 23 de março de 2010

Os anos sessenta aos sessenta anos

Mais sessão nostalgia para maiores de 50: provocado pelo discurso do Paulo José, vejam mais um amarcord (*), contido em texto de José Amâncio Neto na capa de um LP (longplay), por si só outra raridade...

(*) Para escrever o discurso de agradecimento (post abaixo), Paulo José se inspirou em Amarcord (Oscar de melhor filme estrangeiro de 1975), dirigido por Federico Fellini, onde ele revê, pelo olhos de um garoto (Titta), a sua vida familiar, a religião, a educação e a política dos anos 30, época do fascismo. O título Amarcord é uma referência à tradução fonética da expressão 'io me ricordo' (eu me lembro), usada na região da Emilia-Romagna, onde o diretor nasceu. Fellini sempre negou que o filme fosse uma autobiografia, mas reconhecia que existiam semelhanças com a sua própria infância em Rimini (fonte: Wikipedia).
Eu Sou do Tempo

“Eu sou do tempo em que todas as cuecas eram brancas, assim como os colarinhos e as geladeiras.” Quer dizer, eu sou nascido na década de 40, logo depois que a segunda guerra acabou. Assim, minha geração entrou nos anos 60 com seus 15 anos. Mas, afinal, como era ter 15 anos naquele tempo?

“Eu sou do tempo em que todos os criados eram negros, assim como os telefones e as gravatas-borboleta.” No começo dos anos 60, Jânio Quadros era o presidente; Brizola, governador do Rio Grande do Sul e Adhemar de Barros governava São Paulo. Depois de proibir briga de galo e biquíni em concursos de miss, Jânio mandou um bilhetinho renunciando e João Goulart assumiu o Palácio da Alvorada, em Brasília, recém-inaugurada por Juscelino.

“Eu sou do tempo em que os mocinhos eram bons, assim como os padres e os americanos.” A tevê transmitia em preto e branco e o grande sucesso era O Direito de Nascer, novela escrita por um cubano, Felix Cagnet, na extinta TV Tupi. Quem tinha 18 anos ouvia bossa nova, na voz de João Gilberto e já falava “voxê”, não por causa da Xuxa, mas devido a um sucesso de Jorge Ben, embora o quente fosse música americana, The Great Pretender, com The Platters, que a gente ouvia em hi-fi, nos discos stand-play, um disco pequeno, com duas faixas de cada lado. Silvio Santos já vendia Baú da Felicidade, embora o quente fosse comprar cesta de natal Amaral, Chico Anysio já tinha um programa semanal, mas sucesso era o Ronald Golias, na TV Record. Não havia vídeo teipe, transmissão à distância e nem câmera lenta.

“Eu sou do tempo em que os comunistas eram maus, assim como os japoneses e os bandidos do cinema.” E, no cinema, quem fazia sucesso eram Rock Hudson (esse mesmo) e Doris Day, uma loira sem sal. Havia um canastrão chamado Pat Boone, que cantava música de negro pra branco ouvir e uma adolescente chamada Sandra Dee, mas o James que a gente curtia ainda não era o Bond, mas o Stewart.

“Naquele tempo, Brim Coringa não encolhia, Melhoral não fazia mal, existia limbo e eu tinha um cachorro ensinado.” Os homens usavam calça boca-de-sino, que parecia uma clarineta, tinham camisa de Banlon e Sete Vidas nos pés. Calça jeans se chamava Rancheira e era vendida em armazém. As barras eram dobradas, várias vezes, assim como as mangas das camisas e o cabelo tinha que ser penteado para trás, o que fazia com que os moços de 18 anos dormissem com a meia da mãe na cabeça empastada de Brilcrem. As meninas vestiam chemisiers, com as saias retas ou evasês, de preferência de tergal, e logo depois vestiam tubinhos. Ainda obedeciam aos pais, tinham hora para chegar e faziam enxoval para casar. Havia bailes com orquestras - Luis Arruda Paes ou Silvio Mazzuca - que imitavam Ray Connif, além das brincadeiras dançantes. Todo mundo dançava samba (liso ou crespo), rock (junto ou solto) cha-cha-chá e hully-gully. Nas brincadeiras ou matinês dançantes, alguém ficava com um chapéu para pôr na cabeça do outro, de quem tomava o par e as mulheres ainda davam tábua quando não queriam dançar com um cafajeste. Bebida era cuba-libre (rum com coca-cola), samba (pinga com coca-cola) ou hi-fi (crush com gim), o que, certamente, nos obrigava a tomar, depois, Alka Seltzer, para a ressaca. Droga, nem pensar! No máximo Pervitin, remédio para não dormir, consumido nas provas escolares, ou Melhoral com cigarro Continental sem filtro, cuja mistura acabava fazendo com que os garotões tivessem atitudes estranhas, como quebrar antena de Simca-Chambord - o carro da época - ou lâmpadas dos postes de iluminação.

Quem se interessava por política, ouvia música de protesto do Vandré, lia padre Lebret, Michel Quoist e Carlos Heitor Cony, citava Sartre e Simone de Beauvoir, sem ter lido e adorava participar de algum movimento de juventude, tipo JUC, JEC ou outra sigla qualquer. Ah, odiava os imperialistas americanos! Esses eram os engajados. Ao contrário dos alienados, que praticavam esporte, ouviam a jovem guarda e jogavam boliche, sem citar ninguém. Porém, todos usavam pomada Minâncora contra espinhas.

“A vida era simples, como eu, naquele tempo.” Mas no colégio ainda ensinavam espanhol, filosofia e latim. Rosa, rosae. Nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo. Silogismo, premissa maior e palavras heterossemânticas. Enfim, era uma barra entrar na faculdade, cujas opções eram medicina, engenharia e direito. Economia e odontologia, só para quem levasse pau nas outras. Mas se passasse, perigava ganhar de presente uma lambreta.

Ter 15 anos no começo dos anos 60 era querer ter um calhambeque, usar topete e mascar chiclete, a maravilha que só Adams fabrica. Mas era sonhar em ter à disposição o apartamento de um amigo (não existia motel), sonhar em ter duas namoradas (uma avançadinha, para tirar o sarro e outra séria, para casar) e, ainda, sonhar com o Corinthians campeão, que o Santos do Pelé não deixava.

Enfim, “a vida era simples, como eu, naquele tempo. E a morte, apenas uma velha encapuzada que aparecia no reclame do Capivarol”. (colaboração de Luiz A.P.M)

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