terça-feira, 15 de março de 2011

A crise na livrarias americanas

A crise das livrarias americanas (artigo de José Godoy, à esq na foto) - As notícias dão conta do fim da era das megalivrarias nos Estados Unidos. "Borders" (*) e "Barnes & Nobles", duas das maiores redes do país, passam por sérias crises, e fecham um sem número de lojas por todo o território norte-americano. Mais do que algo localizado, o que se revela é o fim de uma era, não tão longeva. Uma modificação profunda, ao menos nos EUA, dos hábitos de consumo do leitor, e, mais profundamente, da própria forma com que a sociedade local se relaciona com bens culturais.

A crise das livrarias americanas II - Nos anos 1990 essas livrarias imensas, onde se encontrava tudo o que se podia imaginar, e muito do que mal se podia prever. Que juntava sob o mesmo teto imensos acervos, bons cafés, uma lista parruda de eventos, além, é claro, de preços agressivos. Varreu do mercado norte-americano um sem número de livrarias de bairro, pequenos espaços que por décadas a fio criaram relações sólidas com uma clientela cativa. Um mundo que parece definitivamente sepultado nos grandes centros urbanos, com exceções cada vez mais raras.

A privatização das cidades brasileiras - Esse momento é próximo ao que vivemos no Brasil de hoje. Com o agravante de que o comércio de rua é substituído por centros de compra, num sintoma claro do modelo que rege as relações na nossa sociedade. A privatização dos espaços de convívio – simbolizado em muita medida pela explosão dos shoppings centers, – de certo modo se relaciona ao processo norte-americano de transferir para os computadores a interface com os livros, com o mundo. Aqui, a interface é transferida para os incorporadores imobiliários, em troca da fantasia de segurança que se associa aos centros de compra quando comparados ao mundo sem mediações das ruas da cidade.

A privatização das cidades brasileiras II - A aproximação entre esses dois modelos se dá a partir da transferência da liberdade do indivíduo. Assim como na compra virtual de livros, que se baseia em dados enviados pelo próprio usuário rearranjados pelas plataformas digitais, a privatização de ambientes de compras, afasta qualquer possibilidade de improviso entre homem e cidade. A liberdade de escolha – força maior do cidadão – é oferecida como moeda de troca para se usufruir de caminhadas por alamedas assépticas e bem iluminadas, tendo por opção um cardápio comercial de serviços e produtos previamente escolhidos.

A privatização das cidades brasileiras III - Nessa troca não há espaço para o inusitado ou o contato com o que se desconhece. O que não é decifrado, ganha conotação pejorativa. O que é vendido como liberdade de escolha em anúncios, panfletos, é falsamente simbolizada por uma fantasia de ir e vir sem incômodos ou interferências em ambientes monitorados. As opções de escolha, que deixam de ser mediadas pelo indivíduo, alimentam um hábito que ameaça diminuir a dimensão pública na vida das cidades. Segmentando em castas, regiões, hábitos de consumo, e, obviamente, renda, a fundamental pluralidade que enriquece a sociedade. (Colaboração de Alberto P., foto internet).

José Godoy é escritor e editor. Mestre em teoria literária pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), colabora com diversos veículos, como a revista "Legado", da qual é colunista, e os jornais "Valor Econômico" e "O Globo". Desde 2006, apresenta o programa "Fim de Expediente", junto com Dan Stulbach e Luiz Gustavo Medina. O blog do programa está no portal G1. Entre em contato pelo e-mail zegodoy@hotmail.com
 
(*) Sobre a situação desta, veja postagem neste almanaque  As oito lições da falência da Borders

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