Antes que lhe tirem os óculos, como fizeram com a escultura do Drummond em Copacabana, tratei logo de fazer uma foto da estátua do poeta pernambucano Manuel Bandeira (1886-1968), instalada na Praça Manuel Bandeira, formada pela interseção da Rua Santa Luzia com Av. Presidente Wilson, no centro do Rio, no ponto mais ventoso da cidade. Tem que haver uma explicação científica para todo aquele vento! Não por acaso, as janelas do prédio de 28 andares da Academia Brasileira de Letras que dão para o lado do mar são lacradas. Recentemente, a Veja Rio publicou matéria sobre o livro "Crônicas Inéditas", uma refinada edição da Cosac Naify que reune 113 crônicas de Bandeira, até agora inéditas em livro, e inclui uma antologia com a gravação em CD de poemas lidos pelo próprio autor modernista. Os textos – produzidos entre 1920 e 1932 – de acordo com Ubiratan Brasil, de O Estado de S. Paulo, compõem um agitado painel do ainda tímido mercado cultural no país, no tom culto e bem-humorado que faria do poeta um dos mestres da crônica no Brasil. Ao lado de artigos críticos sobre pintura, música erudita, arquitetura, teatro, ele se dedica também aos episódios mais curiosos de seu tempo – como a febre do primeiro concurso de miss e os anglicismos do football a dominar a língua (“shootar a goal”, registra) – e aos personagens pitorescos que fizeram do Rio a sua cidade do coração. “Todas as noites quando eu ganhava as ruas depois do jantar via passar um casal agarradinho: o mestre com Carolina”, refere- se em texto a Machado de Assis. Nesta coletânea de Bandeira pode se ler suas crônicas até sobre mosquito: "a companhia que explora o serviço telefônico no Rio, não sei se de moto-próprio ou por sugestão do Rotary Club ou da Grande Comissão de Fuss Anti-Amarílico, resolveu complicar a situação dos seus assinantes fazendo as telefonistas dizerem ‘Guerra ao mosquito!’ antes do clássico ‘Número, faz favor?’. De sorte que agora travam-se os seguintes diálogos: - Guerra ao mosquito! Número, faz favor? - Guerra ao mosquito, Central sim, dois, um, nove. - Guerra ao mosquito - Já matei dois! - Número, faz favor? O pior é quando no meio da conversa comum cortam a ligação, e o assinante pára de falar, grita alô, bate no gancho, espera, desespera e no fim de cinco minutos e de três estouros, a vozinha inalterável, polida, angélica da telefonista enfim acode: - Guerra ao mosquito, número faz favor? E o assinante: - Guerra a coisa nenhuma! Guerra a você, à Light e aos imbecis que pensam acabar com a febre amarela amolando a paciência dos outros!" Ou então, uma crônica o primeiro filme falado em um cinema carioca: "o Palácio Teatro, a maior sala de teatro do Rio, esgotou diariamente as lotações com a exibição do primeiro film falado que se levou no Rio. [...] Antes da apresentação da fita ouviu-se um pequeno concerto de canto e um discurso do cônsul Sebastião Sampaio, ambos filmados e gravados pelo movietone. Por esse aparelho maravilhoso a sincronização da voz e da imagem é perfeita. Tem-se a ilusão absoluta de que o som sai da boca. Já ouvi falar o senhor Sebastião Sampaio em carne e osso. O que ouvi no cinema é bem ele e até mais ele. Não há dúvida que no futuro, professores e conferencistas falarão sobretudo para o movietone. Poderemos ouvir de qualquer cidadezinha do interior um curso de Einstein, uma ópera em Milão, uma tourada em Madri, uma luta de box em Nova York". Crônicas Inéditas I, Manuel Bandeira, Cosac Naify, 440 págs., R$ 65 (fonte: Veja Rio e internet).
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