Em seqüência a mais um episódio midiático do assim denominado Caso Isabella, de triste sina, operadores jurídicos, jornalistas e comentadores em geral vão à Imprensa para lançar um falso registro: missão cumprida! No entanto, quem entende, realmente, de Direito Processual, sabe que a ação penal apenas se inicia quando do seu recebimento, com ou sem prisão preventiva dos acusados. Acontece que, por mais robustos que sejam os elementos de demonstração probatória postos durante a fase pré-processual do inquérito policial específico (em que não há contraditório) e que haja suportado, inclusive, a propositura da denúncia por parte do Ministério Público, titular da ação penal pública, não se afasta do jogo processual a problemática relativa à dúvida razoável, entre nós erigida em garantia de direito individual pela Constituição da República e pelas Leis do Processo. Na prática isto significa que enquanto houver dúvida consistente em algum tipo de alternativa que possa explicar de modo diverso a linha disposta formalmente na acusação, não se pode condenar validamente. Ora, por mais difícil que possa resultar uma contraprova às evidências meramente circunstanciais descritas fartamente pela mídia em torno deste e de qualquer outro caso, o fato é que, mesmo assim, esses elementos não são conducentes a condenar ninguém, porque postos sob dúvida legal. A dúvida legal, ou razoável, é barreira que obsta a evolução do processo penal em direção a um desfecho positivo, a dizer, consubstancial à acusação. É evidente que, em casos de crimes dolosos contra a vida, o Juiz Natural é o Conselho de Sentença, formado por sete cidadãos idôneos da comunidade do ‘distrito da culpa’ (local do delito), não necessariamente dotados de formação jurídica, convocado pelo Presidente do Júri para exercer o papel jurisdicional que lhe está reservado pela Constituição Federal. Ocorre que a soberania do Júri Popular não é absoluta, pois tal paradigma equivaleria a transformá-lo em uma expressão tirânica dentro mesmo do regime democrático. Então, sucede que as suas decisões passam necessariamente pelo crivo das provas que foram produzidas ao longo da persecução criminal, que envolve o plano do Inquérito Policial (sem contraditório) e o plano do Sumário-crime acusatório que é a instrução processual sob a presidência do Juiz. A este é dada a competência de avaliar, com apoio em tudo isso, se o caso merece ou não ser encaminhado ao veredicto do Júri, certo da materialidade e de indícios que possam fazer acreditar, ainda que por suposição legal, a verdade quanto à autoria incidente à pessoa do réu. Ao Júri, pois, cabe avaliar se esse juízo de valor precário deve ou não consolidar-se em definitivo, adotando-se a convicção de que, além da materialidade, também a autoria se firmou diante das provas produzidas. Ora, para que a autoria se firme, ao lado da já demonstrada materialidade delitiva, como substância de condenabilidade jurídica (não política, não social, não moral, jamais supositiva), será sempre necessário que se exclua desse quadro de convenções jurídicas a dúvida tida como razoável. Enquanto ela operar efeitos lógicos no sistema de evidências a tempo e modo construído, sucede que a condenação é juridicamente impossível. Se porventura o Júri vier a decidir desse modo, descolado das evidências de materialidade e de autoria, essa decisão estará passível de nulidade e como tal será declarada pelo Tribunal de Justiça ao qual compete examinar os recursos dos órgãos da Justiça de primeiro grau. O Júri Popular é um desses órgãos. Portanto, é de se registrar, isto sim, que o trabalho de apuração da responsabilidade criminal de qualquer espécie apenas se inicia ao ensejo do recebimento da denúncia que entende de acusar, formalmente, a quem de direito. A substância de uma acusação formal, porém, está presente na demonstração cabal assim da materialidade do fato como de sua autoria. Tanto assim é que a autoridade policial poderá ser a todo o tempo estimulada, mesmo de ofício ou por requisição da autoridade judiciária, a lançar novas evidências no contexto da imputação, para dirimir dúvidas sobre pontos relevantes, com natural e necessária repercussão para o âmbito da causa criminal já processualmente em curso, antes que uma sentença (ou veredicto do Júri) tenha sido proferida. O Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova constante dos autos que não induzam dúvida razoável. Portanto, é vedado ao Estado proceder de modo temerário na fixação das culpas em definitivo. Sobretudo e quando acalentado por influxos heterodoxos que partem de diversos subsistemas sociais como a opinião pública, sublevada em seus próprios medos e preconceitos, e setores de uma imprensa vocacionada a produzir resultados nem sempre edificantes (escrito por Roberto Wanderley Nogueira, Professor-adjunto da Faculdade de Direito do Recife - UFPE e da Universidade Católica de Pernambuco).
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