domingo, 29 de maio de 2011

Zé Silva em "Conexão Madrid", contos do Facebook

Zé Silva em "Conexão Madrid", a estória que deu origem aos contos.
por Marco Simas

Publicação em capítulos, todos os domingos no Facebook, às 17h30. Veja aqui os primeiros dois capítulos. O terceiro será publicado no próximo domingo, 5 de junho

Silva, Zé Silva, foi da Federal.
Investigador implacável e honesto.
Por isso acabou expulso.
Agora anda pelo seu bairro, esperando dar camelo na cabeça.


PRIMEIRO CAPÍTULO
Publicado em 22 de maio de 2011

Meu celular tocou, coisa cada vez mais rara. Era o Dimitre meu ex-parceiro na Polícia Federal.

— O que você tem feito? — Perguntou assim, como quem tem alguma urgência.

— Nada, estou em casa coçando o saco, literalmente.

Depois que fomos expulsos da polícia eu e o Dimitre pouco nos vimos. Foi consenso de que precisávamos dar um tempo diante das circunstâncias. Não era bom para ninguém ser visto com um corrupto. Pois foi disso que acabamos injustamente acusados.

Tudo aconteceu muito de repente e sem a menor chance de defesa. Estávamos envolvidos em uma investigação internacional que corria em segredo de justiça e muito perto de uma conclusão bombástica.

Uma extensa lista, com nomes de políticos, empresários, policiais e membros do poder judiciário, rapidamente se desenrolou a nossa frente. A quadrilha só não fazia chover, de resto, praticava de lavagem de dinheiro a exploração sexual de menores, passando pelo tráfico internacional de drogas e armas.

Quando estávamos para fechar o cerco apareceram acusações de abuso de poder e, entre aspas, “provas irrefutáveis” de recebimento de propina por Dimitre e eu, para fazermos aparecer as tais acusações contra o bando de poderosos. Passamos um bom tempo do outro lado, ou seja, viramos réus, perdemos as conexões, enquanto as provas que juntamos num longo e custoso período viravam poeira empurrada para debaixo do tapete persa de alguma sala de interesses em Brasília.

Um dia, meses depois de consumada a expulsão, Dimitre me ligou e me disse que estava pensando em abrir uma empresa de segurança, já arrumara até um cliente, uma loja de ferragens. Não dei atenção e seguimos mais um tempo sem nos falar.

Agora pelo visto ele voltava à carga:

— O que você quer? Perguntei enquanto tirava a mão de dentro da bermuda para pegar um cigarro. Depois do caso descrito acima voltei a fumar vez por outra.

— Ainda penso naquela história da empresa de segurança. Cara é uma mina de ouro. A gente começa protegendo uma loja e daqui a pouco a rua inteira vai querer nossos serviços. É só uma questão de tempo.

O Juarez lembra-se dele? Pois o Juarez começou assim e agora já faz segurança numa porrada de agências bancárias.

— Acho que não fico afim não, isso é complicado, esse troço de ter uma empresa. É papelada, imposto, funcionário. Pô Dimitre, quem é que precisa de coisas assim?

— Você sempre foi um cara sem ambições. Olha aqui Silva, vai fazer o quê? Ficar aí criar barriga e viver de biscates? Cara isso vai acabar com você. Daqui a pouco vai aceitar qualquer negócio e aí, meu camarada, aí o bicho pega.

— Sabe de uma coisa Dimitre? Minha vontade é virar pescador, ir aí para o interior, arrumar um barco e ficar pescando e bebendo caipirinha.

— Não dou dois meses pra te ver aqui atrás de um trabalhinho. Qual é? Vida pacata meu amigo é pra rico. E você acha que pescador não rala?

Fiquei um tempo em silêncio, o suficiente pra ele perceber que aquele papo estava terminado. Levantei do sofá e saí do alcance do ventilador, o calor me envolveu como quando se abre um forno depois de horas aceso, recuei três passos e parei embaixo do vento. A boca estava seca, pedia por uma caipirinha.

— Tá bom, Silva. Mas pensa nisso com carinho, pra mim o parceiro, o sócio é você, não confio em mais ninguém, sabe disso!

Incrível como as pessoas, por mais que convivam, não conhecem umas as outras. Melhor deixar assim, se era assim que Dimitre pensava.

Combinamos um encontro para o outro dia, um sábado, quando iríamos beber umas e outras no bar do Xará, aqui mesmo em Brás de Pina. Eu cada vez gostava menos de sair da área, por dois motivos: um que podia ficar só de bermuda e chinelo, outro é que quanto menos me mexia, menos gastava, o negócio do dinheiro, outra coisa que ficava escassa na minha vida.

Olhei o relógio do celular e vi que ainda dava tempo de fazer uma fezinha no bicho, há tempos que ando cismado com o camelo, acho que sonhei, não sei.

Cerquei e joguei uma merreca na cabeça, vai que dá. Na volta pra casa passei na barbearia do Vicente. Se tem uma coisa que detesto é tirar qualquer pedaço de mim, seja barba, unha, cabelo. Prefiro entregar na mão de algum profissional, fechar os olhos e nem pensar sobre o assunto.

Mas era justamente na barbearia que as coisas começariam a acontecer...


SEGUNDO CAPÍTULO
Publicado em 29 de maio de 2011

Na barbearia encontrei o Vicente e Jorge, farmacêutico aposentado, fixados em um tabuleiro de damas. Vicente é um desses profissionais que a gente encontra no nosso bairro e tem a certeza que ele já estava lá quando o bairro surgiu. Conhece a todos e é onde a maioria dos homens, mais do que para cortar o cabelo, vai para uma conversa rápida sobre os mais variados assuntos. É também onde muitos se tornam técnicos de futebol, críticos em política e economia e reafirmam suas opiniões sobre o sexo oposto. A grande virtude de Vicente é saber ouvir e concordar sempre, ou quase sempre. Não há concordância de sua parte se alguém fala mal do seu América. Um time de futebol que vive no e do pretérito.

Esperei a partida de dama chegar ao fim pra me sentar na cadeira. Vicente já sabia o que e como fazer.  Encheu meu rosto de espuma, mas nesse momento o celular tocou pela segunda vez no dia. Dei uma desculpa que estava esperando uma resposta de trabalho, limpei a orelha e atendi, apesar de não reconhecer o número.

— É o José Silva, o detetive? — Perguntou uma voz de mulher, que eu diria que andava pelos trinta anos, era morena e perigosa.

— Como é que é? — Perguntei intrigado com aquela história de detetive.

— Seu Silva, meu nome é Letícia, quem me passou o número foi um amigo seu da polícia. — Ela deu um tempo para tragar o cigarro. — Preciso dos seus serviços, é um caso de vida ou morte. A minha vida está em risco.

— Olha dona Letícia, houve algum engano. Eu não sou detetive nenhum. Eu apenas fui policial e ajudo um ou outro amigo em dificuldades.

Vicente e Jorge se interessaram pelo assunto e se aproximaram da cadeira. Vicente fazia sinais querendo saber quem era?

— O senhor foi muito bem recomendado. Por que não marcamos um encontro e conversamos melhor? Vou lhe passar o endereço, o senhor pode anotar?

Sem saber o que fazer pedi caneta e papel ao Vicente, que se prontificou a anotar.

— O senhor pode vir hoje ainda. — Não foi uma pergunta.

— Vou ver se dá, tenho umas coisas pra resolver...

— Seu Silva, o senhor não entendeu. Tem de ser hoje. — Fez uma pausa, a respiração ansiosa era audível. — Posso pagar muito bem.

— Quanto? — Perguntei num rompante, o coração se encheu de esperança.

Ao ouvirem minha pergunta os dois se acercaram ainda mais, com enormes interrogações nos olhos arregalados.

— Qual é o seu preço? — Perguntou e arrefeceu meus impulsos. Mas antes que dissesse algum valor, completou: — Dou ao senhor dez mil reais. 14 horas aqui.

E desligou o telefone.

Os dois me olhavam, Vicente esfregava o dedo indicador no polegar. Guardei o celular, recostei na cadeira e disse para o Vicente: — Capricha nessa barba.

No mesmo instante passou o garoto que distribuía os resultados do bicho.

— O que foi que deu? Perguntei. — Deu cobra. Eu ri e acrescentei: — Pra mim deu Camelo, na cabeça.

Só algum tempo depois foi que reconheci: realmente dera cobra, das criadas...

Continua...

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