quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O terrorismo da pobreza

Por Marcelo Szpilman (*)

As manchetes de hoje nos principais jornais do país, e do mundo, nos apresentam mais uma triste catástrofe. O número de mortos pelas enxurradas na Região Serrana do Rio de Janeiro não para de crescer e já passa de 360 (Friburgo com 168 vítimas, Teresópolis com 152 e Petrópolis com 36 vítimas).

Como ocorreu em Angra dos Reis e Niterói no ano passado, essa tragédia me fez lembrar de um artigo que escrevi em 2004 onde tratava de fatalidades e comentava uma excelente matéria de Okky de Souza, publicada na revista Veja (edição 1866, ago.04), onde ele descreve: "tragédias, causadas pelas forças da natureza ou pelo homem, acontecem em todo lugar. Na maioria das vezes, nem há como prevê-las. O incêndio paraguaio, no entanto, reforça um postulado amargo que vale para todo o planeta. As fatalidades que se abatem sobre os países menos desenvolvidos costumam produzir mais vítimas do que aquelas que ocorrem nas nações do Primeiro Mundo, pela falta de recursos para evitá-las ou pela falta de infraestrutura para minorar suas consequências ou simplesmente por aspectos culturais __ ignorância da população ou descaso das autoridades". Para quem desconhece, o incêndio no supermercado em Assunção, capital do Paraguai, ocorrido no dia 1º de agosto de 2004, provocou 448 mortes e 200 feridos pela combinação de falta de manutenção, negligência e atitude criminosa.

Como Okky tão bem coloca, a tendência dos desastres de ceifar mais vidas humanas nos países atrasados do que nos ricos é uma realidade estatística. Em dezembro de 2003 um terremoto de 6,7 graus na escala Richter matou mais de 40 mil pessoas no Irã. Quatro dias antes, na Califórnia (EUA), um terremoto com a mesma intensidade matou apenas duas pessoas. Em 1997, nas Filipinas, uma enchente provocada por muita chuva matou mais de 200 pessoas. Em 2002, na Alemanha, a pior enchente dos últimos 150 anos no país matou 16 pessoas. Na Índia, em 1999, a batida entre dois trens deixou um saldo de 300 mortos. Na Inglaterra, em 2002, o descarrilhamento de um trem em alta velocidade que se chocou contra a plataforma da estação matou 6 pessoas.

Sempre ouvimos dizer que aqui não há terremotos, furações ou tsunamis, mas as nossas chuvas de verão, cada vez mais apocalípticas, têm ceifado centenas de vidas todos os anos. É uma simples coincidência ou há um padrão regular nessas fatalidades? Como escrevi no recente artigo “O que deu no tempo?” (veja a postagem anterior), devido ao aquecimento global e às mudanças climáticas, chuvas torrenciais, fora de época, estão desabando e castigando cidades em todos os cantos do Planeta. Agora mesmo, enchentes monumentais estão ocorrendo na Austrália e na Europa, mas a perda de vidas, quando há, não se compara com a nossa infeliz realidade.

Ainda que no atual desastre na Região Serrana do Rio tenha havido vítimas de classe média-alta, particularmente devido a um evento climático excepcional que inundou um vale com casas, pousadas e haras, a imensa maioria das vítimas, como sempre, é de pessoas pobres que vivem nas áreas de ocupação irregular.

Mais uma vez, constatamos o quão fatal pode ser a combinação de chuvas torrenciais com a degradação do meio ambiente, desmatamento e ocupação predatória das encostas. Nossos governantes precisam, com urgência, tomar a atitude corajosa que todo ano prometem, mas não cumprem, de remover as comunidades carentes das áreas de risco. E devem ir além. É preciso proibir, e fazer cumprir, o desmatamento e a construção nas encostas dos morros e montanhas e nas áreas próximas aos rios. Sem hipocrisia e sem populismo. Precisamos, mais do que nunca, de atitudes corajosas. As UPP’s do Rio estão aí para comprovar que mudanças de paradigma podem ser boas para todos.

Cabe a nós, da sociedade civil, passar de simples espectadores (e sofredores) da tragédia alheia para cobradores de ações concretas das autoridades executivas municipais, estaduais e federais. A responsabilidade sócio-ambiental, séria e comprometida, não pode ser só uma bonita e oportuna bandeira de campanha.

(*) Marcelo Szpilman é Biólogo Marinho formado pela UFRJ, com Pós-Graduação Executiva em Meio Ambiente (MBE) pela COPPE/UFRJé diretor e diretor do Instituto Ecológico Aqualung (http://www.institutoaqualung.com.br)

Nenhum comentário: