sexta-feira, 1 de julho de 2011

Me senti uma mulher árabe

Por Claudia Rocha Crusius - Descubro lendo os jornais de hoje que há um movimento para que as mulheres árabes possam dirigir, porque a Arábia Saudita é o único país do mundo onde elas não podem fazer isso. É um choque para nós, ocidentais, ver as diferenças que existem entre os nossos "mundos", quando os direitos humanos são tão desrespeitados e são até inexistentes, o que só se altera, como se sabe, pelas mudanças culturais.

Ontem (sexta-feira, 17), estava no caminho para casa, final da tarde, chovia, o trânsito estava chato como costuma acontecer nessas ocasiões, pois parece que todos querem chegar em casa para ontem. Na confluência das ruas Moron com Capitão Araújo ocorre um atropelamento de um motoqueiro por um carro. Imediatamente, parei meu carro, liguei o pisca alerta, e estou me preparando para descer, a fim de tomar as primeiras atitudes necessárias, como chamar os bombeiros, o SAMU, a Brigada Militar, essas coisas básicas numa situação dessas.

Eis que um senhor, vindo pela rua Moron, na direção centro/bairro, em um lindo, potente e flamejante carro Honda Civic de cor prata baixa o vidro do lado do caroneiro e me grita: "vai pra casa lavar a louça, Maria" !

Mesmo eu dizendo a ele que visse o acidente, que estava ali, a nossa frente, continuou a me brindar com toda a sua classe e educação. Ele atravessou o local, e seguiu seu caminho. Com isso, já estava me atrasando para buscar minha filha na escola, então fui cumprir minhas obrigações de mãe, até porque outras pessoas, solidarizadas com o rapaz estendido no chão já estavam ali, fazendo o que tinha que ser feito.

Bom, né ?, fazer o que depois dessa demonstração de finesse por parte de alguém tão bem apetrechado veicularmente falando ? Anotei a placa do carro. Registrei ocorrência sobre a injúria que sofri. Marquei audiência a ser realizada no Fórum local. Evidente que, sendo a titular da Delegacia da Mulher, não serei eu a fazer o procedimento policial que irá redundar disso. Nessa hora não sou autoridade policial, sou parte, sou vítima.

Agi dessa forma porque tenho que ser coerente com o que faço e penso, com aquilo pelo que brigo e tenho como compromisso de vida. Ele terá a oportunidade de saber que um comportamento civilizado é bom e todos nós gostamos, e que ele deve ter uma mãe, uma esposa, talvez uma filha, e gostará, evidentemente, que outros as tratem com a urbanidade que a vida em sociedade exige. Isso sem falar que aprenderá que a solidariedade é a pedra de toque que nos diferencia dos animais, afinal poderia ser um dos seus ali estendido no chão.

Mulheres lavam a louça, a roupa, cozinham, criam filhos, sozinhas ou com parceiros, trabalham fora, operam pessoas, varrem ruas, comandam o país, quebram preconceitos e paradigmas, dirigem carros e preocupam-se com os problemas que veem a sua frente, sendo policiais ou não. Homens precisam aprender isso, mesmo que seja de uma forma não tão agradável. Mas que ontem, por volta das 18h, que eu me senti árabe, me senti. (a Dra. Claudia Rocha Crusius é titular da Delegacia da Mulher, em Passo Fundo-RS e esta crônica foi publicada no Facebook, sábado, 18 de junho de 2011, tendo repercutido no Jornal Nacional, apresentado pela  RBS, afiliada da Rede Globo).

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